sábado, 28 de fevereiro de 2009

Miniconto

Cura
A chuva era forte.
- Você veio na chuva...
- Não tem problema. É só água. Me sequei enquanto você dormia. E eu vim para ficar de vez.
- Quanto tempo ainda nos resta?
- O tempo que nossas vidas suportar!
- Querida, minha hora se aproxima.
- Não. Você ainda vai viver bastante; e eu vou ficar aqui até o último segundo. Segura minha mão!
- Sabe que logo eles virão te buscar, não sabe?
- Já são homens. Podem se virar bem sem mim. Cada um com sua esposa. É justo ao nosso amor que fiquemos juntos publicamente. Não quero partir sem que saibam que você foi, durante todos esses anos, meu grande amor. E caso você fosse antes de mim, não me perdoaria se não deixasse isso claro. Não quero mais me esconder de filhos, amigos e vizinhos.
- Somos dois velhos “fujões” (risos). Ah... Quanta coisa a gente já não fez por esse amor!
- Meus pais nunca te aceitaram, mas também nunca conseguiram nos afastar (mais risos).
- Sabe de uma coisa? Embora não tenha se casado comigo, você foi a noiva mais linda que eu já vi. E quer saber de outra coisa? Nem marido e filhos te “domesticaram”.
- Meus filhos eu amo. Foi somente por eles que continuei naquela casa... Meu marido foi obrigação. E me sinto muito mais bonita hoje; aqui, ao seu lado.
- Não sei do meu único filho. Ela, quando soube de nós, foi embora com ele. Lembra? (Silêncio). Agora que estamos livres... Você está viúva, eu estou separado há muito tempo... Justo agora fui adoecer? (Outro silêncio). A gente nem teve um filho juntos...
Tosse.
- Psiu... Não faça tanto esforço... Até ficar bom. Nosso amor é nosso maior fruto. O filho que sempre tivemos. E é ele quem vai te curar.
Sussurrando:
- Agora você é minha mulher!
- Sua mulher eu sempre fui.
- Eu te amo.
- Eu também te amo. Sempre te amei e vou amar você mesmo depois que eu partir.
Então ele fechou os olhos e adormeceu. Ela se deitou ao seu lado sem sequer soltar de sua mão. Alguns dias depois, de uma forte pneumonia, a senhora morreu. Decorrida uma semana e meia, ele estava curado.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Saudade

Saudade não é ausência, mas sentir o forte viver do que está longe de nós, dentro da gente. Porque saudade não é sentir a falta e sim acolher esta forte vida que materialmente pode estar distante, mas que, em espírito e lembrança, sempre nos habita, mora conosco e nunca nos deixa.

* Dedico estas palavras a um bom amigo, Fábio. Um rapaz que assume suas saudades, sem acanhamento. Sensibilidade também é ato de coragem.
** Dedico, ainda, às minhas saudades.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Na maior cidade do Brasil

Estava andando pelo corredor da minha casa hoje de manhã e, como alguém assistia a um telejornal num volume um tanto quanto alto em um cômodo próximo ao lugar ao qual me dirigia, não pude deixar de ouvir a voz do jornalista que o apresentava. Inevitavelmente prestei atenção ao que ele dizia e algo em suas palavras me levou para longe... Ele disse exatamente assim: “São Paulo, a maior cidade do Brasil, sofre, cada vez mais, com trânsitos quilométricos”. Vejam só: quando ouço falarem da cidade de São Paulo, na televisão ou no rádio, na maioria das vezes, ouço seu nome acompanhado pelo epíteto “a maior cidade do Brasil”. O mesmo acontece na imprensa escrita e em livros de geografia: “São Paulo” vem, geralmente, qualificado por este aposto. Mas não foi este “fenômeno sintático” que atraiu tão profundamente minha atenção a ponto de me fazer ficar parado por um tempo, pensando no que ouvira há pouco. Bem, na verdade, o que menos me chamou a atenção foi a notícia em si. Afinal, tornou-se um assunto recorrente na mídia o tráfego interminável de carros nesta cidade. Sabemos que, diariamente, enfrentam-se trânsitos em vários pontos de São Paulo para se chegar a um destino ou até mesmo para se chegar a lugar nenhum é preciso enfrentá-los. Mas não é de se espantar que uma cidade tão grande como esta – a maior do Brasil – tenha problemas como este. Talvez seus problemas sejam proporcionais a seu tamanho.

De modo coerente, sua população também é grande. Ônibus, trens e metrôs estão, comumente, congestionados. A quantidade de pessoas nesses transportes públicos, às vezes me assusta. Nunca podemos saber o que tanta gente junta é capaz de fazer – talvez seja porque não tenhamos certeza até onde podem chegar muitas pessoas reunidas: tanto para bem quanto para o mal. E tanta gente junta tem um poder desconhecido. Esses amontoados estão por toda parte... Em certos momentos, caminhando pelas ruas e avenidas, sinto-me engolido pela multidão e, ao mesmo tempo, cuspido por ela. Engolido, porque caminha com pressa em minha direção, envolvendo-me com uma camada de corpos de diversos tipos; e cuspido, porque passa por mim tão rapidamente – às vezes parece que me atravessa, como se eu fosse invisível; às vezes em mim esbarra –, atirando-me para fora desta camada estranhamente envolvente e medonha.

Em São Paulo, diferentes etnias, crenças e culturas dividem um mesmo espaço. É uma cidade “cosmopolita”. Há pessoas de várias partes do mundo morando aqui... É um lugar onde árabes e judeus podem ser vizinhos; gregos e turcos. Em São Paulo existe essa possibilidade. Mas o que me deixa intrigado é que, embora a diversidade, não sei dizer com certeza se sua população é homogênea. O que sei é que sua população é grande. Essa diversidade não pressupõe mistura. Os diferentes grupos étnicos coabitam a cidade, mas preservam sua individualidade. Quero dizer, resguardam-se.

Hoje de manhã, quando escutei o telejornal, lembrei-me do trajeto que faço para ir ao meu principal compromisso atualmente e para voltar à minha casa: Nele, há pessoas por toda parte. Dentro e fora do meio de transporte em que me encontro. Pessoas de diferentes grupos por toda parte. E quando estou num trânsito, há pessoas dentro dos veículos ao meu redor. Mas creio realmente que elas não se misturam; não claramente. Elas nos envolvem e nos cospem; logo se dispersam. Por que é que numa cidade tão grande e com tanta gente, nós, muitas vezes, sentimo-nos sós? O trânsito que me atrasa poderia dar-me companhia.

Esses excessos poderiam ser menos estressantes. Nós deveríamos aproveitar mais as oportunidades que a cidade nos dá para sermos mais gente.

sábado, 27 de dezembro de 2008

O mundo é grande

“O mundo é grande”. Pensei nesta condição por longo tempo durante a tarde. Ele é tão grande que mal posso ter certeza... Não posso saber de tudo que nele existe. Não posso saber de tudo. Tampouco posso estar em vários lugares ao mesmo tempo e sei que a cada instante acontece alguma coisa: cada instante é um acontecimento. Agora por exemplo deve estar nascendo uma pessoa; neste mesmo instante alguém pode estar morrendo (sempre soube que vida e morte coexistem e se complementam). Também, quando nasci, creio que alguém deva ter morrido e quando for a minha hora, talvez nasça alguma pessoa. Não que uma substitui a outra, não estamos em constante revezamento, mas é porque o mundo é grande e muitas coisas acontecem ao mesmo tempo. E eu nem posso saber de todas elas. Eu, que perto deste mundo sou tão pequeno. E ele, que me abriga não por vontade, mas por não me poder deixar de fora de si. Bem, sempre tive a necessidade forte de ser grande e forte de alguma forma que pudesse provar a este gigante, que não estou nele por acaso; para poder dizer com certa autoridade que uma parte sua é minha por direito e que sou um pedaço – significativo – seu. As pessoas são pedaços do mundo. Ele é o reflexo das pessoas que nele se abrigam. Quero provar que não faço parte de um acaso que se abriga no mundo porque não pode ser jogado fora; quero merecer o meu pedaço.

Hoje passei o dia todo em meu quarto. Vi o mundo somente pela janela – as poucas vezes que saí foram para ir a outro cômodo da casa, mas ainda continuei a vê-lo apenas por janelas. Senti que pudesse estar perdendo a parte que me cabe... Não sei; não zelava por ela... Pensei que pudesse não a merecer, por conta disso. Ou porque, dentro do quarto, não exercia com louvor minha função de “pedaço significativo”, porque nada fazia pelo mundo. E se nada fazia, mal também não provinha de mim: talvez tenha ajudado não atrapalhando... “Mas quão imenso é este mundo!”, pensei. Ora, meu pedaço por direito não é a visão fragmentária da janela. O gigante me abriga não por não ter outra escolha, mas porque sou um pedaço que lhe compõe de tal modo que mais ninguém, em nenhum lugar, em nenhuma época o compôs, compõe ou o comporá. Meu pedaço está além da visão fragmentária da janela de qualquer lugar. Ele está pelo mundo. Possa ser que eu o construa como um quebra-cabeça: cada peça, um lugar diferente. Vou descobrindo-o conforme descubro o mundo.

Sei que não posso ter o mundo todo, pois ele é imenso e por isso, também, não posso saber de tudo que o “move”. Mas é que estando no meu quarto, sei que mil coisas estão acontecendo ao mesmo tempo e, ao mesmo tempo, nada acontece. Conformo-me por não saber de tudo, mas não aceito nada saber. Eu preciso explorar este gigante, vê-lo acontecendo e instruir-me! Estou, inclusive, aceitando a condição de não saber tudo, porque acabo de compreender que não posso saber de tudo nem a respeito de mim mesmo. Pois acabo de descobrir que não sou tão pequeno quanto pensava: vou-me descobrindo pouco a pouco. Sinto, neste momento, a imensidão. Sinto que somos grandes; somos imensos: o mundo e eu.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Conforme se vive a vida

Tenho percebido que cada segundo dos meus dias me direciona a algum lugar; resta-me descobrir que lugar é este; e até que eu o encontre, sei que muita incerteza ainda vai me acometer. Incerteza acompanhada de um medo (necessário para se ter coragem!) que vai me levar tantas vezes ao erro, como já o fez... Sei também que vou sentir algumas dores enquanto percorrer este caminho... Mas a vida é mesmo essa coisa difícil que insisto em levar adiante. Sim! Saibam vocês que viver não é esperar a morte, mas resistir a cada dia: sejam eles de glórias ou de dores. Eu também estou aprendendo.